A história de Sarah Baartman, nascida na África do Sul em 1789, é marcada por perdas familiares e tragédias.
Tornou-se empregada doméstica na Cidade do Cabo após a morte de seus pais e enfrentou ainda mais desafios quando seu companheiro foi assassinado.
Em 1810, analfabeta, assinou um contrato para viajar para a Inglaterra e se apresentar em espetáculos, iniciando assim um capítulo controverso em sua vida.
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A história de Sarah Baartman
A vida de Baartman foi permeada por adversidades.Acredita-se que tenha nascido na Província Oriental do Cabo, na África do Sul, em 1789.
Sua mãe faleceu quando ela tinha apenas dois anos, e seu pai, um criador de gado, veio a falecer durante sua adolescência. Diante dessas perdas, Baartman iniciou sua trajetória como empregada doméstica na Cidade do Cabo. Contudo, sua vida tomou um rumo trágico quando um colono holandês assassinou seu companheiro, com quem ela havia tido um filho que também veio a falecer.
Em outubro de 1810, apesar de sua falta de alfabetização, ela supostamente firmou um contrato com o cirurgião inglês William Dunlop e Hendrik Cesars, um empresário e dono da casa onde ela trabalhava. Este contrato indicava sua viagem para a Inglaterra, onde ela se apresentaria em espetáculos.
Atração (A história de Sarah Baartman)
Quando ela foi exibida em um estabelecimento em Piccadilly Circus, Londres, despertou fascinação.
“Neste período, é crucial recordar que nádegas volumosas estavam em voga, e, por isso, muitas pessoas cobiçavam naturalmente o que ela possuía”, observa Rachel Holmes, autora de “A Vênus Hotentote: Vida e Morte de Saartjie Baartman”.
A razão para esse interesse reside no fato de que Baartman, também conhecida como Sara ou Saartjie, apresentava esteatopigia, uma condição genética que resulta em nádegas proeminentes devido ao acúmulo de gordura. Essa particularidade é mais comum em mulheres, especialmente entre aquelas de origem africana.
No entanto, a própria terminologia é alvo de controvérsias, pois para muitos, a sugestão de que uma mulher, por ser negra e ter nádegas avantajadas, está sofrendo de uma doença é considerada racista.
Por outro lado, para descrever nádegas pequenas, utiliza-se a palavra “calipigia”, em uma alusão à célebre estátua romana Vênus Calipigia, cujo significado é “a Vênus das nádegas belas”.
Toda uma Vênus (A história de Sarah Baartman)
Durante as apresentações, Baartman vestia roupas justas, da cor de sua pele, adornadas com contas e plumas, e ocasionalmente fumava um cachimbo.
Clientes mais afluentes tinham a opção de pagar por demonstrações privadas em suas residências, onde os convidados eram autorizados a interagir fisicamente com ela.
Intitulada pelos “empresários” como “Vênus Hotentote”, o termo refletia a linguagem da época, onde os holandeses usavam essa designação para descrever os khoikhois e os san, grupos proeminentes dentro da população africana conhecidos como khoisans.
Atualmente, o termo ‘hotentote’ é considerado pejorativo.
Livre ou assustada?
Nesse período, o império britânico já havia abolido o tráfico de escravos em 1807, mas a instituição da escravidão ainda persistia.
Apesar disso, ativistas ficaram chocados com o tratamento dispensado a Baartman pelos empresários em Londres.
Houve processos judiciais contra eles por manterem Baartman contra sua vontade, contudo, foram absolvidos. Surpreendentemente, Baartman testemunhou a favor dos empresários.
O historiador Christer Petley, da Universidade de Southampton, na Inglaterra, destaca a incerteza sobre se Baartman foi coagida, como afirmavam defensores da abolição e ativistas humanitários, ou se agiu por vontade própria.
Ele ressalta que, se ela estivesse sendo obrigada a trabalhar, é possível que tenha se sentido demasiadamente intimidada para revelar a verdade no tribunal.
O caso permanece complexo, e a dinâmica entre Baartman e seus empregadores certamente não era de igualdade.
A caminho de Paris (A história de Sarah Baartman)
Holmes destaca que o espetáculo de Baartman envolvia não apenas dança, mas também a execução de diversos instrumentos musicais.
Ela afirma que um público “sofisticado” em Londres, uma cidade caracterizada pela presença frequente de minorias étnicas, não teria se encantado unicamente pela sua cor por muito tempo.
No entanto, com o passar do tempo, o espetáculo da “Vênus” perdeu seu apelo e popularidade entre a audiência na capital, levando-a a embarcar em uma turnê pela Grã-Bretanha e Irlanda.
Em 1814, juntamente com seu empresário, Cesars, Baartman viajou para Paris, onde novamente se tornou uma celebridade, frequentando o Café de Paris e participando de eventos da alta sociedade.
Com a volta de Cesars para a África do Sul, Baartman acabou nas mãos de um “exibidor de animais” conhecido artisticamente como Reaux.
Sob sua influência, ela passou a consumir álcool e tabaco incessantemente e, segundo Holmes, é “provável que tenha sido prostituída por ele”.
Grotesco (A história de Sarah Baartman)
Eventualmente, Baartman concordou em ser estudada e retratada por um grupo de cientistas e artistas, mas recusou-se a se apresentar completamente nua diante deles. Ela argumentava que tal ato ultrapassaria os limites de sua dignidade, algo que nunca havia feito em seus espetáculos.
Nesse período, teve início o estudo que mais tarde seria denominado “ciência da raça”, conforme menciona Holmes.
Baartman faleceu aos 26 anos, e a causa foi descrita como uma “doença inflamatória e eruptiva”, sendo especulado que poderia ter sido resultado de pneumonia, sífilis ou alcoolismo.
O naturalista Georges Cuvier, que havia dançado com Baartman em uma das festas de Reaux, fez um molde de gesso de seu corpo antes de proceder à dissecação.
Além disso, preservou seu esqueleto e colocou seu cérebro e órgãos genitais em frascos, os quais permaneceram expostos no Museu do Homem de Paris até 1974, um detalhe que Holmes descreve como “grotesco”.
De volta para casa
“A justificativa para a subjugação dos africanos foi articulada através da ciência, estabelecendo os khoisan como um grupo menos nobre no avanço da humanidade”, escreveu Natasha Gordon-Chipembere, editora de “Representação e Feminilidade Negra: O Legado de Sarah Baartman”.
Após sua eleição como presidente da África do Sul em 1994, Nelson Mandela solicitou a repatriação dos restos mortais de Baartman e do modelo de gesso feito por Cuvier. O governo francês acabou concordando com o pedido e efetuou a devolução em 2002.
Em agosto do mesmo ano, os restos mortais de Baartman foram sepultados em Hankey, a província de seu nascimento, 192 anos após sua partida para a Europa.
Diversos livros foram publicados sobre seu tratamento e seu impacto cultural. Gordon-Chipembere afirmou que Baartman “se tornou um molde sobre o qual múltiplas narrativas de exploração e sofrimento da mulher negra se desenvolvem”, destacando que, em meio a tudo isso, “a mulher permanece invisível”.
Em 2010, o filme “Black Venus” e o documentário “The Life and Times of Sara Baartman” narraram sua história. Em 2014, a revista americana Paper apresentou na capa uma foto de Kim Kardashian, celebridade americana, balançando um copo de champanhe sobre suas nádegas proeminentes, sendo criticada por lembrar representações de Baartman.
No ano passado, uma placa no local onde ela está enterrada em Hankey foi vandalizada com tinta branca. Isso ocorreu na mesma semana em que a Universidade da Cidade do Cabo removeu, após protestos, a estátua de Cecil Rhodes, um empresário e político do século 19, que infamemente declarou que os britânicos seriam “a primeira raça no mundo”.
“As pessoas estão ponderando sobre como lidar com essas questões”, afirma Petley. “Muitas vezes, elas foram encobertas, e chegou a hora de reavaliá-las.”
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